12 O Negro Luto

O negro luto e um casamento mudo
Aperta a úlcera, é um cenário agudo.
Da mente ao corpo é um segundo,
A doença alastra, por isso eu purgo.
Valente é o nome e assim o recordo
(O código de valores que com estima guardo).
O fim foi galopante, deixou ferida aberta,
Por isso eu escrevo isto e a sutura aperta.
Obsoleto, prostrado sem ensejo,
O esqueleto devorado pelo caranguejo
–Olhos sem alma, fala sem senso—
Enfermo, no quarto, eu não esqueço;
-Avô esse não é o meu nome…
Delírio opiáceo, o limbo não dorme.
Existe vida quando uma cria se vai?
Um filho não devia partir antes dum pai;
E foram logo dois, só ficou a Graça
Na casa da desgraça, o coração amassa.
Eram só mais umas gotas de morfina…
A linha é fina e se a alma fina
Porque é que o corpo não definha logo
E o Homem não decide a partida e o modo
De mergulhar na essência, acabar o turno
De voltar ao todo, regressar ao uno?

O negro luto e um casamento mudo;
A mente com toxina contamina tudo.
Quando dois filhos partem, o coração congela
E quem por cá fica, apanha por tabela.
Essa dor não passa, só ficou a Graça,
Época de caça, constante ameaça.
Acordar com gritos todos os Domingos,
Sempre depressivos, já não são bem-vindos.
Religião hipócrita, esta em que vivemos…
A culpa católica enche-nos de medos.
Senti frio gélido, zero empatia,
Ruindade extrema e eu assistia
(Trouxe-me o ódio, matou-me a calma,
Trouxe a raiva, asfixiou-me a alma).
A faca na mão, o sangue a escorrer
-Avó, a galinha continua a correr
As quedas, as fracturas, as facturas
Passadas sem destinatário, são bem duras!
Nem me despedi, guardei numa caixa,
Então eu resolvi fazer esta faixa.
Liberto estas palavras, eu despeço-me,
Saio do loop cármico, eu desculpo-te!
Até sempre por aí numa constelação…
Vai sê livre, no todo, na imensidão, vai!

Há cicatrizes que nos acompanham,
Nós por desatar que nos asfixiam,
Fantasmas do passado que nos prendem
Até que as nossas almas os libertem.